Hoje é o Dia Mundial da Diversidade, data que marca a Revolta de Stonewall. Ela ocorreu em 28 junho de 1969, na cidade de Nova Iorque, em um bar chamado Stonewall Inn; aconteceu porque os LGBTQIA+ estavam cansados de serem humilhados e ter um de seus poucos espaços de socialização fechados pela polícia e controlada pela máfia novaiorquina. Para honrar a data, nosso portal traz o histórico de espaços LGBTQIA+ na cidade de Pelotas.
Que se tem registro, a territorialização de espaços LGBTQIA+ em Pelotas começou nos anos 80. Nas páginas amareladas do famoso Lampião da Esquina, ano 3 n. 28, de setembro de 1980, na coluna Escolha seu Roteiro: Pelotas, encontra-se um guia com sugestões de atividades, diurnas e noturnas, para serem realizadas pela população LGBTQUIA+ usada na Bichacap (termo irônico utilizado pelo jornal para se referir a fama da cidade). Segundo o jornal, em pleno início dos anos 1980, Pelotas não possuía um um único bar ou boate gay: “Pasmem os mais afoitos: na Bichacap não há bar ou boate assumidamente guei... A única tentativa de um lugar guei é o Acesso, bar da [rua] Voluntários, pertence a uma comadre muito querida na cidade.” Ou seja, durante as décadas da ditadura civil militar brasileira, Pelotas não possuía um
local boêmio assumidamente LGBTQUIA+.
O Nuances, grupo pela livre expressão sexual (primeira organização LGBTQUIA+ do Rio Grande do Sul, com sede na cidade de Porto Alegre e fundada em 1991), a partir de 1998, começou a publicar jornais bimestrais para abrir maior diálogo com a sociedade sobre pautas que envolvessem a comunidade em questão. É na edição ano 2 n. 11, de março de 2000, p.3 que encontra-se uma entrevista realizada pelo Jornal Nuances com o famoso carnavalesco pelotense, Pompilio Freitas, que trouxe o nome de outros bares LGBTQUIA+ e também fala de um certo preconceito com locais assumidamente gays, na cena noturna pelotense: “O Bye Bye foi assim e não deu certo. O Kalabouço não é espalhafatoso e por isso dá certo (....) Porém tivemos o Fruto Proibido que era bem no centro e durou de 10 a 12 anos”.
O Também Pelotas - Grupo Pela Livre Expressão Sexual (fundado em 2002 tendo publicado 4 edições impressas do Jornal do Também) entrevistou Paulo Vargas para a edição ano 1, n. 2, de setembro de 2010, p.4, na qual deu mais informações sobre o Fruto Proibido: “Era na Voluntários, aconteciam shows maravilhosos onde os transformistas interpretavam as nossas divas da música popular brasileira; (...) Naquele bar encontrávamos todas as pessoas, os gays da cidade, e muitos iam escondidos como sempre.”
Durante toda a década de 1990, o Kalabouço foi a única boate LGBTQUIA+ de Pelotas. A região da Avenida Bento Gonçalves, no entorno do Esporte Clube Pelotas, nos anos 90 e 2000 era repleta de bares e boates e os LGBTQUIA+ tinham dois locais como referência. O bar Cais Entre Nós, um bar de vídeo-clips e o Pássaro Azul. Ainda sobre o mais importante bar dos anos 90, o Kalabouço, encontramos na entrevista do Pompilio Freitas ao Jornal do Nuances (Ano 2, n. 11, de março de 2000) uma referência à localização do Kalabouço: “iniciou no porto da cidade, também um lugar afastado, e hoje está localizado próximo da Praça 20 de Setembro.”
Nessa mesma edição, de março de 2000 o jornal publicou a matéria central “Os doces prazeres de Pelotas” que levantou dois endereços distintos: o primeiro um 22 bar - “Na Rua D.Pedro, 622, você encontrará o bar da Helô, ou o Porto 622, frequentado, principalmente por lésbicas e amigos a fim de beber, conversar e ouvir música ao vivo” – o segundo, o famoso Kalabouço frequentado por uma diversidade de gueis, lésbicas mas principalmente por travestis e transexuais da periferia, “estará esperando com o quente da noite guei pelotense. (...) A boate fica num beco da Av. Duque de Caxias, no subsolo de um sobrado. (...) tudo ao som do Dj Monstro e shows de artistas e gogo boys.”
No século XXI, seguindo o movimento do crescimento urbano e com as mudanças culturais vindas com o novo século, Pelotas continuava com o Kalabouço e contou também com o surgimento de mais boates LGBTs, algumas com duração efêmera, mas que contribuíram como locais de sociabilidade. A primeira foi o Odeon Vídeo Bar inaugurada em 1999 que mais tarde tornou-se Odeon e posteriormente, Divas, localizado na Praça Cel. Pedro Osório, n 63 A; a Free Space surgiu no inicio dos anos 2000 na Rua Três de Maio, que com o passar do tempo tornou-se Espaço Baiuca; os antigos proprietários do Kalabouço abriram o Bar ou Impar Pub Lounge, na Rua Anchieta, 2684 e a The Way, na Rua XV de novembro, 34 (esta é a única em funcionamento atualmente).
Cabe ressaltar que existiram festas como a antiga Boate do Direito e outras festas universitárias da Universidade Federal de Pelotas, classificadas como festas alternativas que eram muito frequentadas pela comunidade LGBTQUIA+. No final da primeira década, a Festa das Gurias, uma festa itinerante, agitava a noite de lésbicas. Já em 2015 outros dois locais surgiram: a Diamonds e o Porta Negra, mas ambos encerraram o funcionamento.
Para finalizar este breve apontamento histórico sobre a territorialização LGBTQIA+ na cidade de Pelotas restam dois apontamentos, mas antes, fica o convite para que os pesquisadores não deixem a história LGBTQIA+ pelotense esquecida, já que é uma fonte rica. O primeiro é que não se pode desvincular o movimento LGBTQIA+ da atualidade do movimento surgido pós Stonewall (1969), pois se hoje se pode levantar bandeira, ser visíveis a sociedade e ter uma fluidez com assuntos ligados a homoafetividade, é graças aos LGBTQI+ do passado. O segundo apontamento que deve ser feito é, justamente, pensar na função que os bares LGBTQIA+ possuíam no passado, pois eram locais de encontro, de sociabilidade e construção de identidade; hoje como bem sabe-se, existem outros meios, principalmente associados aos meios digitais (redes sociais e aplicativos). Talvez por isso já não se têm tantos lugares específicos para a população LGBTQIA+ ou os famosos, e pode-se dizer com orgulho, GUETOS do passado. Se hoje se existe e resiste, estes lugares serviram de trincheira.
O nosso portal apoia a luta LGBTQIA+, e, nesse dia da diversidade, deseja que todo ser humano seja tratado com respeito e dignidade. Que se tenha apoio e reconhecimento por quem se é, e que seja extinto todo o preconceito e a intolerância.
Fonte: Marcos Fernandes e Fabiano Neis
Foto: Débora Letícia
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